domingo, 10 de maio de 2009

VALE ABRAÃO, um livro de Agustina Bessa Luís



Ema vivia no Romesal, em criança. Depois de casar, mudou-se para Vale Abraão. E frequentemente visitava o Vesúvio. Estes são três lugares fundamentais deste romance de Agustina, todos eles situados na região do Douro, algures entre Lamego e a Régua, na margem Sul do rio. Esta margem é estupendamente retratada logo no início da obra.O Romesal, centrando a parte inicial do livro, é uma casa de lavrador vinhateiro, que tem a particularidade de possuir uma varanda voltada para a estrada. A fatalidade associada a esta varanda é uma antecipação do que será a evolução da história e da personagem.

Vale Abraão, a casa de casada de Ema, é uma casa também de lavoura vinhateira, embora mais abastada e testemunho de várias gerações. Da sua janela no Romesal, Ema via Vale Abraão, mas a realidade vista de perto é bem menos interessante do que aquela prometida pela miragem. Já o Vesúvio, casa senhorial junto ao Douro, onde Ema se refugiava da sua vida monótona em Vale Abraão.

No Vesúvio Ema encarnava na Bovarinha. Esta propriedade é apresentada no final do segundo capítulo, e situava-se numa escarpa tenebrosa na margem do rio. Ema apreciava passear-se solitária pelo cais junto à margem do rio, denotando uma certa dose de loucura, premonitória do final dramático da história.

Existe um quarto lugar que importa mencionar, a Casa das Jacas. Este é o lugar em que se dá o ponto de viragem da história, em que Ema se apercebe que há outro mundo, diferente daquele que ela conhecera até então e mais esplendoroso. A Casa das Jacas é também esplendorosa.

Outros locais são referidos ao longo da acção. Um deles é a cidade de Lamego, por nela ter lugar um dos momentos incontornáveis da história, logo no primeiro capítulo. Tendo este facto em conta, poderá ser uma boa ideia sentarmo-nos num dos bancos do jardim da praça central de Lamego, ou numa das suas esplanadas – quem sabe se não teria sido naquela mesma que tudo se passou? - para calmamente ler este capítulo.Mas ao longo do romance assistimos à decadência física e moral de Ema, e das diferentes casas. A prosperidade e nobreza passadas da região, que no início da história ainda se adivinham, são gradualmente substituídas pela degradação e abandono, surgindo referências às recentes casas de emigrantes.

Este é um livro que, de resto, se deve ler com calma, no sossego, num remansoso sossego. Assim, um sítio de eleição poderá ser o alpendre, a sala de estar ou a reentrância da janela de uma das muitas casas de turismo rural da região. É interessante visitar a Quinta do Vesúvio, pois existe realmente e produz vinho. A própria obra faz referência à proprietária original, a que chama a Senhora, e que corresponde a D. Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, grande senhora do Douro do século XIX, que aqui gostava de receber visitas.

Vale Abraão conta a história de Ema, personagem de Flaubert, transferida da Normandia do século XIX para o Douro do século XX. Foi escrito com o objectivo de servir de guião para o filme com o mesmo nome realizado por Manoel de Oliveira em 1993.

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